domingo, 9 de março de 2008

A Trintona da Vila Madalena

O traço mais notável na vida da Trintona da Vila Madalena é o de que ela já foi muito feliz. A Trintona da Vila Madalena já fez muitas coisas. Tomou ayuasca em Atibaia, passou as férias em Jericoacoara, Floripa e na Chapada Diamantina, morou um ano inteiro na Europa, tem no currículo três carnavais em Olinda e mais três nos bloquinhos do Rio de Janeiro, teve noites de vinho e sexo sensacionais, praticou ioga, pilates, capoeira angola, correu, nadou, topou com o Chico Buarque em Paris e no Rio, e passou tantas tardes felizes bebendo e dando gargalhadas com os amigos que, num sábado de manhã, quando acordou meio triste, meio sem saber o que fazer, ela tinha diversas lembranças que poderiam reconfortá-la. Mas estavam todas longe. Mais que isso: estavam todas como se fossem um peso. O problema da Trintona da Vila Madalena era que, quanto mais momentos felizes ela vivia, mais pesada ficava a lembrança dos momentos felizes que passaram.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Guia de Turismo Sádico em Cuba

Se você é uma das tantas pessoas que pretende “ir a Cuba antes que Fidel morra”, a revista Viagem & Sadismo preparou uma reportagem com a sua cara. Por causa da teimosia dos comunistas e do embargo americano, a paradisíaca ilha caribenha virou atração perfeita para sádicos de esquerda vindos de todos os recantos do mundo. Por isso não poderíamos deixar de ir até lá para ver de perto como é belo o sofrimento dos cubanos. Confira abaixo o que descobrimos. E boa viagem!

Pé na estrada
Com a falta de gasolina na ilha, muitos cubanos precisam viajar a pé por centenas de quilômetros. No caminho, eles são atacados por cobras, enfrentam tempestades caribenhas e andam horas num sol de rachar. Uma atração imperdível, que você pode conferir a qualquer hora do dia e sem gastar nada!

Belas da tarde (e da noite)
Aqui em Cuba nenhum marido precisa pedir para a mulher se fingir de prostituta para satisfazer seus instintos sádicos. Qualquer dona de casa, médica, engenheira ou jornalista cubana é prostituta de verdade, pelo menos durante algumas horas por dia. Para não cair em roubadas, procure as prostitutas com marcas de surras ou com um olho roxo – essas sofrem sem reclamar.

Hospedagem
Só dá para conhecer de verdade o sofrimento da ilha se hospedando na casa de um cubano legítimo, sofredor. É uma experiência interessantíssima. Eles quase não têm móveis em casa, comem pouco para economizar e mal sabem o que são eletrodomésticos. Cuidado: se você for pego rindo deles, a coisa pode ficar mal.

O melhor: as prisões
Se você tiver sorte e conhecer algum oficial do governo cubano, peça a ele para te levar nas prisões. São piores que as brasileiras! E o melhor: muitos dos presos só estão lá por que falaram mal do Pinochet (ops!), quer dizer, do Fidel. Para deixá-los um pouquinho mais nervosos, apareça por lá com uma camiseta do Che Guevara. Vão sofrer ainda mais!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Encontro com a Culpa

Uma noite dessas, andando pela Alfonso Bovero, ali pra baixo da MTV, topei com ela, a Culpa. Estava entre os mendigos que dormem embaixo de uma marquise, enrolada num cobertor e tentando não se importar com o frio. Me aproximei:

- Culpa! É você?
Ela abriu os olhos com cara de vontade de conversar.
- Ô, rapaz, beleza?
- Que saudade, Culpa – você nunca mais foi me acordar depois daquelas bebedeiras em que eu fazia tanta besteira...
- Pois é. Percebi que o senhor não gostava das minhas visitas. Pois não é o único. Ninguém mais quer que eu apareça. Todo mundo acha que pode viver sem mim.
- Que é isso, Culpa, eu te considero pra caramba.
- Mas o senhor não reparou? Estou numa baixa danada. Os sexólogos, as propagandas de TV, as revistas de bem-estar, todo mundo fica dizendo “Livre-se da Culpa, livre-se da Culpa!” As mulheres infiéis, os políticos traidores, os policiais covardes e principalmente os jovens... ninguém mais fica culpado. É por isso estou aqui, abandonada como um mendigo.
- Mas... mas e o suicida? E a velhinha católica?
- O suicida morreu. E a velhinha católica até sente culpa, mas do que ela me serve? Não faz nada de errado, não dá nenhum espaço para eu corrigir seu caminho. Se pelo menos as pessoas ainda acreditassem em Deus. Se pelo menos Nelson Rodrigues ainda estivesse vivo, para dizer que, sem mim, estaríamos de quatro, urrando no bosque...
- E os criminosos?
- Ah, já desisti deles. Depois que um monte de gente começou a falar que crime é coisa da sociedade, que os ladrões não devem ter culpa, depois disso nenhum criminosinho cruel, nenhum Raskolnikov vai mais com a minha cara. Até as crianças e os adolescentes acham que podem numa boa roubar o tênis de quem passa na rua.
- Mas, Culpa, você não pensou, sei lá, em atingir outro publico?
- Tentei. Uma vez, vi uma moça dentro de uma Mercedes que ficou bem triste ao avistar um pobre. Daí pensei que poderia haver muitos ricos bem propensos a andar comigo. Até deu certo – você não reparou que muita gente rica e até de classe média anda culpada por não ser pobre?
- Pois é...
- Por uns meses, eu fazia muito sucesso aqui nessa região, principalmente ali na Vila Madalena. Mas daí desencanei. Só rico com QI baixo tem culpa por não ser pobre. É bem chato – eles só falam sobre as férias no Nordeste, só vêem filme francês e ficam o dia todo ouvindo MPB... Uma noite, depois do terceiro cd da Maria Bethania, eu perdi a paciência e fui embora. Agora aqui estou eu, tentando sobreviver. E quer saber o que é pior?
- O quê?
- Ando me sentido culpada.

domingo, 18 de novembro de 2007

Manual Caros Amigos de Jornalismo e Picaretagem

Recebi um e-mail anunciando um “Anti-Curso Caros Amigos de Jornalismo”. Aha, pensei, aqueles picaretas arranjaram outro jeito de tirar dinheiro dos estudantes mais ingênuos. Mas o que será que eles ensinam? Acho que um Manual de Jornalismo da Caros Amigos deveria ser assim:

1) Enxergue o mundo como se fosse uma novela
Ser de esquerda é, antes de tudo, arranjar um culpado para os problemas do mundo. A trama é simples, repetitiva e sempre formada por mocinhos e bandidos. Há as pessoas do bem (geralmente os pobres) e as do mal (os ricos, as grandes potências, as empresas, o FMI etc). Ignore pesquisas que mostram os brasileiros mais pobres como os menos éticos e mais preconceituosos. Dê de ombros ao constatar que o imposto pago por um empresário paulista sustenta 80 vereadores de Alagoas. Uma mulher que ganha salário mínimo aparece com 5 filhos no colo? A culpa é dos Estados Unidos. Lembre-se: os pobres são vítimas eternas. Cabe a você construir discursos de vitimologia

2) Seja contra os Estados Unidos sempre
Nem que para isso tenha que apoiar regimes com os quais não concorda muito, como ditaduras e governos fascistas. Apóie Fidel, mesmo se ele estiver cada vez mais parecido com o Pinochet. Escreva a favor do fim da imprensa livre da Venezuela, afinal Chávez se diz contra os Estados Unidos. Chame os leitores para a passeata na Paulista a favor do Hezbollah, mesmo sendo o movimento contra o direito das mulheres, os gays, a democracia e as suas tatuagens.

3) Faça previsões assustadoras e redondamente erradas
Esta aula deveria ser dada pelo José Arbex Jr. Ele dizia que a internet 2 seria dominada pelas grandes empresas. O que aconteceu: a internet 2 é ainda mais interativa. Que a Alca acabaria com a economia do Brasil. Não assinamos a Alca, mas o México sim – e se deu muito bem. E que, se os estrangeiros pudessem comprar a mídia brasileira, as publicações virariam um caos. Tudo ficou igual.

4) Esqueça o que você disse
Crie também conspirações furadas, como dizer que a plataforma da Petrobras foi derrubada pela CIA. E não conte para ninguém que o aperto fiscal que o FMI impôs ao Brasil (coisa que você reclamou nos tempos do FHC) deu no crescimento sustentável de hoje.

5) Fale mal de todos, menos da prefeituras do PT.
Por quê? Porque elas financiam a revista.

Gênio

"Derramai sobre ele todos os bens do mundo: mergulhai-o de cabeça na felicidade, tão profundamente que só apareçam à superfície algumas bolhas de ar; satisfazei suas necessidades econômicas a tal ponto que ele nada mais tenha que fazer senão dormir, comer bolos e pensar na perpetuidade da história universal - pois bem, mesmo nesse caso, o homem, por pura ingratidão, pela necessidade de se sujar, cometerá, à guisa de agradecimento, uma torpeza qualquer. Correrá até o risco de perder seus bolos e procurará deliberadamente as bobagens mais arriscadas, os absurdos mais desvantajosos, apenas para misturar a esse bem senso tão positivo seu pernicioso elemento fantástico."
Notas do Subterrâneo, Dostoiévski.